Pelo foco no trabalhador e não no trabalho
Recém-eleito para a presidência do Fórum Estadual dos Conselhos Regionais e Ordens de Profissões Regulamentadas, Wagner Siqueira conversou com a nossa reportagem por mais de 90 minutos. O tempo regulamentar foi pouco para tantos temas abordados, assim como o espaço para tantas reflexões e pensamentos. O administrador de 77 anos criticou a hipocrisia das corporações, o arrocho sobre os trabalhadores e a falta de visão dos gestores. Lamentou ainda a redução do papel do sindicalismo por conta do capitalismo neoliberal e a defasada CLT, que protege mais ao trabalho do que o trabalhador. Indivíduo que, em tempos contemporâneos, adoece pelas pressões por metas e resultados, chegando até mesmo ao suicídio.
Aos 77 anos, Wagner já presidiu o Sindicato dos Administradores do Estado do RJ e a Federação Nacional dos Administradores. Agora, ele está à frente do Conselho Regional de Administração (CRA-RJ) pela quarta vez e lembra que quando retornou ao cargo máximo da autarquia, metade do pessoal havia sido demitido, precisando atender 52 mil profissionais e 5 mil empresas.
“Era um cenário de terra arrasada, fruto de uma visão perversa que não contabiliza o recurso humano e intelectual. Quando você aperta os cintos desta maneira, resultados tangíveis até aparecem, porém, mais à frente, vamos sentir as consequências. Uma série de instrumentos foram paralisados e alguns deles ainda não conseguimos retomar. Chegamos a ter aqui 350 cursos de ensino a distância para 30 mil alunos”, recorda Siqueira, apontando ainda que quando se abandona o interior e os eventos são paralisados, o sistema acaba. “Outro problema e a pouca atenção dada à conservação das coisas. O brasileiro tem mania de inauguração e esse vício se reflete dentro da administração pública”.
Siqueira também rema contra a maré do legalismo, pregando que a mentalidade do gestor público deve procurar a inovação, mesmo enfrentando todas as restrições impostas por órgãos como o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União. “Ele precisa ser criativo, fazer coisas que a lei não considera. Conseguimos, por exemplo, implantar o pagamento via Pix. Dei a ideia, mas quem correu atrás para isto acontecer foram os funcionários”.
Mundo do trabalho
Segundo recente pesquisa do IBGE, o número de sindicalizados vem caindo no Brasil. Dos 100 milhões de brasileiros registrados em algum trabalho formal, apenas 8,4% estão filiados ou associados a alguma associação ou sindicato.
“No mundo todo, está acontecendo a redução do papel dos sindicatos. O capitalismo deu um nó na sociedade, com coisas estranhíssimas como sindicatos patronais e aumentando a ausência dos dirigentes dos trabalhadores nas negociações”, avalia Siqueira, destacando ainda a construção de mitos como o empreendedorismo. “É um discurso hipócrita, igual a chamar funcionário de colaborador. Deve-se entender que as organizações são amorais, não adianta culpar o leão por ser carnívoro. A busca por lucro faz parte da natureza das organizações”.
Para o entrevistado, o movimento sindical precisa falar mais sobre as doenças e os suicídios provocados pelo trabalho. “Vão rotular a questão como pessoal, mas não o é. Muito tempo atrás, o sociólogo Émile Durkheim contrapôs o psicanalista Freud, caracterizando o suicídio como uma doença social, e não individual. Há uma pressão psicológica com as ameaças de demissão. Tem ainda o celular, que faz a pessoa trabalhar quase 24h, por dia, com cobrança de resultados, trabalho conjunto, e não em equipe, sem quase nenhuma solidariedade”.
Valorização profissional
De acordo com Wagner Siqueira, o que mais motiva o trabalhador é o próprio trabalho, com comprometimento, os desafios e as possibilidades de crescimento e desenvolvimento. “Aumento de salário reduz apenas o nível de insatisfação”, afirma, criticando a perda na qualidade da gestão. “Ganhamos instrumentos tecnológicos, mas isto, em alguns casos, mascara a influência do estilo desrespeitoso, que beira o assédio”.
Sobre a histórica relação capital x trabalho, Wagner pontua que há empresários com mais sensibilidade que outros ao longo do tempo. No Brasil, cita a experiência de Delmiro Gouveia, pioneiro na industrialização e na exploração de energia elétrica no Rio São Francisco. “Ele chegou a ter uma fábrica, no interior de Alagoas, com 4 mil trabalhadores que tinham acesso à escola, posto de saúde. Mas foi assassinado, os ingleses compraram o negócio e jogaram todas as máquinas no rio”.
Siqueira destaca o papel do sindicato na organização dos trabalhadores e no confronto com o capital. “Houve uma história de conquistas, como, em 1943, quando Getúlio Vargas, implantou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Porém, as condições de trabalho mudaram substancialmente e ainda tem o fato que esta legislação protege mais o trabalho do que o trabalhador. Pra aquela época, trouxe enorme avanço, mas agora são outros tempos”.
Apesar de apoiar a atualização da CLT, Siqueira é contra a total desregulamentação das relações trabalhista como defende a direita brasileira, deixando tudo livre à mercê da mão invisível do mercado. “A reforma que fizeram não atende às questões brasileiras. Não pode vir uma lei, por exemplo, para resguardar o aplicativo e deixar indefeso o cara que trabalha, dia e noite, no volante de um carro. A lógica da uberização também está indo para as empresas. Neste processo de transição tecnológica, quem vai defender o trabalhador é o sindicato, procurando criar redes de proteção”.